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História/
Depoimento da sobrevivente do Holocausto Cecília Gewertz

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Polônia
1922 - 1945
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Suécia
1945 - 1952
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Brasil
1952 - 2018

Depoimento da sobrevivente do holocausto cecília gewertz
parte 1 – INFÂNCIA E A GUERRA

A vida na Polônia

Cyrla Dwojra Rybitwer nasceu em 18/03/1922 na casa número 28 da rua Zydowska, em Sandomierz, uma pequena cidade na Polônia, localizada a pouco mais de 200 km de distância de Varsóvia, capital da Polônia.
Filha de Yossef Rybitwer e Eva Zeidman, era a mais nova de 5 filhos: Moshe, Chaim, Chana, Cyrla e Szaja. Moshe, Chaim e Chana eram bem mais velhos que Cyrla.

Quando ela era pequena, os três já estavam casados, tinham filhos e moravam em suas próprias casas. Somente Cyrla e Szaja moravam com os pais.

A foto acima é a única que sobrou de Cyrla antes da Guerra, na Polônia (seu irmão a encontrou jogada na rua após o fim da guerra). No retrato ela tinha 15 anos (foto de 1937).

Cyrla, como era criança, ainda não trabalhava. Frequentava a escola, brincava na rua e ajudava sua mãe com as tarefas de casa. Segundo ela, era muito mimada pelos pais.

Ela contava várias histórias de como brincava e tinha uma vida normal. Até 1940.
Nesse ano, certa noite, durante o Seder de Pessach (Páscoa Judaica), os nazistas invadiram sua casa e expulsaram sua família. Daí em diante o pesadelo dela começou.

A seguir ela descreverá, com suas palavras, tudo o que passou.

Veja a história e o depoimento da sobrevivente do Holocausto Cecília Gewertz:

Gueto e esconderijo em Sandomierz

Eu morava com meu pai, minha mãe e meu irmão Szaja. Os outros irmãos (Moshe, Chaim e Chana) já estavam casados, tinham netos.

Estourou a guerra em Pessach (a Páscoa Judaica), quando a gente estava fazendo o Sêder (cerimônia de comemoração de Pessach).

Chegaram os alemães e desmontaram a casa, nos tiraram de lá, e nos levaram para o gueto.

Escolheram os velhos para trabalhar. Minha mãe falou: nós vamos nos esconder em um sótão.
Prefeitura de Sandomierz
Algumas famílias nos convidaram para ir morar no centro de Sandomierz, na frente da prefeitura. Ficamos lá em cinco famílias.

Durante dois meses olhamos pela janela e vimos que estavam matando judeus. Então a zeladora do local onde nós estávamos nos delatou.

Veio um cachorro e raspou a portinha (eu lembro como hoje, o cachorro raspou) e nós todos saímos, fomos levados para a prisão e separaram os velhos dos jovens.
Então levaram minha mãe, meu pai e meus irmãos para Treblinka. Eu tinha 15 para 16 anos.

Eu chorava, porque queria ir junto com minha mãe. Aí ela falou: “fica aqui que nós vamos nos encontrar depois da guerra”. Mas infelizmente isso não aconteceu. Eu fiquei sozinha no gueto.

O que que eu fazia? Levava os mortos.
Uma noite, em um domingo, eu escutei alguns homens por perto e fiquei com medo de ser assaltada, mas eu não podia acender a luz.

Então eu fui falar com a mulher que me escondia: “Dona Shvirtzona, eu não vou ficar aqui, eu tenho medo”.

Ela me levou para o curral dela, onde as vacas, o gado e os outros animais ficavam... sem luz, sem água, sem comida.

Ela chegava de charrete todo dia de manhã e trazia comida (leite, pão,...).
Meu irmão veio me ver de noite e eu estava sentada encolhida, enrolada em um cobertor, porque nevava e estava escuro e frio.

Ele disse: “eu venho aqui te ver todo dia”, mas não deu.

Vala comum

Aconteceu que quando eu saí daquela mulher, levaram 107 pessoas no cemitério judaico, e mataram 107 pessoas. Dois soldados com carabina.

E todo mundo caiu em cima de mim, todo mundo. Era cinco horas da tarde. Quando eu vi que estava todo mundo morto, eles falaram assim em alemão: “Amanhã a gente vem e joga no vale".

Mas todo mundo caiu em cima de mim. Mataram 107 pessoas e todo mundo caiu em mim.
Aí de noite, escureceu e eu me arrastei para fora, joguei todo mundo fora, cheio de sangue, de coisa, e fui no rio para me lavar.

Fiquei a noite toda no rio, escondida em um canal de eletricidade, tinha medo que alguém pudesse me encontrar e me matar.
De manhã falei eu não vou ficar aqui sofrendo. Eu vou na escola, Liceum, onde tem Liceum, onde tem judeus, onde tem gente e o que vai ser com eles, vai ser comigo. E eu fui.

Eu encontrei uns colonos em uma feira e pedi, quase chorando, um pedaço de pão. “De onde você veio menina?” - perguntaram as pessoas. Eu falava bem polonês, mas não podia falar que eu era judia.

“Nós estamos indo à feira, você não tem dinheiro para comprar comida?”. Respondi que não. “Cadê seus pais?”, respondi que morreram (era isso que eu inventava).
Eles me deram um pedaço de pão e um pouco de queijo, e eu agradeci em nome de Jesus Cristo, para eles saberem que eu era polonesa e não judia. Eu estava sozinha no mundo.

Gueto de Radom

Gueto de Radom

Praça central do gueto de Radom (1939/1940). Fonte: Unitaded States Holocaust Memorial Museum (USHMM).

Aí, passou-se 15 dias, chegaram alguns ônibus que nos levaram para trabalhar, na Polônia, numa fábrica de munição. E eu fui dentro.

Tinha um alemão, Bartac e Muller, dois alemães. Apanhamos. Eu não conseguia fazer a norma, aquele negócio para fazer a arma, que era de aço e precisa lixar. Eu não consegui fazer isso.

Chorava...aí de manhã eu apanhava, cheio de coisa.
Eu tinha cabelo comprido. Cortaram meu cabelo, sabe. Ainda não estava em Auschwitz. Estava no campo de Radom, na Polônia.

Lá uma moça fugiu, encontraram ela, penduraram ela no pescoço.
Tinha uma música que tocaram, russa. Depois, demorou um pouquinho... dois, três, quatro meses trabalhando na fábrica, na Polônia, nós precisávamos fugir, porque alguém chegou pra matar, sei lá... bombardearam”.

Auschwitz

Aí fomos pra Auschwitz. 2 noites, 2 dias a pé. Não tinha condução. Ficamos uma noite deitados na grama.

Meu tio, irmão do meu pai, me encontrou lá e tinha um menino, chamava-se Benjamin, ele morreu, deixou ele na beirada da estrada e foi adiante.
Aí tava uma moça tcheca e disse: “Como nós vamos tocar música, assim vocês dançam”. Isso era em polonês, ela falou.

Cortaram meu cabelo pela metade. “Tá bonita assim?”. Cortaram a outra metade.

Tiraram tudo a roupa, botaram aquele uniforme... vestido azul e branco, sem sutiã, sem calça, assim, grande, sujo. Quando me lembro não quero nem viver.

E nós fomos todo dia trabalhar. Nós fomos no barracão, eram 40 moças dentro do barracão.
Entrada do campo de concentração de Auschwitz - Depoimento da sobrevivente do holocausto Cecília Gewertz

Entrada do campo de Auschwitz.
Fonte: United States Holocaust Memorial Museum, courtesy of Instytut Pamieci Narodowej

Lá a gente trabalhava com negócio de pó para arma...munição. Íamos todo dia pra trabalhar 5km, soldados em volta da gente, pra você ver...frio.

Aí nós tínhamos tamanco, e neve entrou no tamanco, não dava para andar. Tirávamos com colher a neve, e precisa ir de novo. Prisioneiros.
Quando eu cheguei lá, não falava alemão e um soldado me fez várias perguntas: “żydowska? Judia? Você, você... hoje é shabat?” ele fala. “Você sabe rezar?”

Aí eu não respondi nada. Em alemão, mas eu entendi o que ele mais ou menos queria porque parece um pouco [com polonês]... eu tinha medo de falar. “Fala”, ele fala. Falei: não sei.
Dentro de Auschwitz que que tinha? Banheiro não tinha. Precisava fazer xixi e cocô desse jeito. Quem caiu, caiu. Não saiu mais.
Todo mundo era unido. Uma morreu porque tomou a água, deu tifos e ela morreu.

Quem tirou ela? Outra menina. Falei eu não vou mexer nada essas coisas. Eu não sei. Eu chorava dia inteiro.
Não tinha dor, não tinha nada. Não me aconteceu nada... e precisava lutar.

Trabalhava, de pedras, todo dia em Auschwitz. Carregava tijolos. E música tocava e a gente ía. A menina deixou cair 2 pedras, mataram ela.

De um lado para o outro. Você levou e à noite devolveu. Só pra ocupar a gente.
Auschwitz era aqui, tudo fechado né, com grade, com luz. A menina foi lá perto, se matou.

Aconteceu um dia, tinha um menino que era da minha cidade chegou e falou: “Cesia, eu to te trazendo um pedaço de pão e sal.

Hoje nós vamos arrebentar esse forno, em cima. Eu vou morrer, se você sobreviver, você pode falar que eu morri desse jeito pra salvar mundo”.

Estourou o forno. Era uma casinha, quem chegou, velhos, crianças, botaram no forno. Aí, em 10 minutos acabou. Jogaram Zyklon B dentro pra você morrer mais rápido.

Essas coisas, a gente não pode esquecer.
De noite a gente viu. Falei vocês viram? Menino veio aqui, avisou pra gente. As meninas: “como ele sabe?”

Falei ele sabe que... ele me conhece e ele viu que eu tava aqui.
Assista ao depoimento da Cecília para ver mais sobre o que ela passou no campo de concentração de Auschwitz.

É só clicar no botão abaixo.

Mengele

Em Auschwitz, existia um médico chamado Josef Mengele, que fazia experimentos com os prisioneiros. Eu fui um deles.

Ele me levou a uma sala no “hospital”, onde estavam cinco banheiras com água quente, acima de 30º C.

Junto comigo estavam uma menina grega, bem pequenininha e magrinha, uma francesa e uma húngara. Nenhuma de nós se conhecia.
Eu fui a primeira, porque era grande e magra. Ele me mandou entrar em uma das banheiras.

Eu não tinha cabelo, nem roupa. Logo que entrei, gritei: ‘’Ai, está quente!’’. Ele disse: “Se você não mergulhar a cabeça eu te mato!”.

Então, entrei por inteiro debaixo d’água. Depois de 15 minutos, ele me mandou sair e entrar em outra banheira, agora com água gelada.

Isso ele fez com todas, porém a grega não aguentou. Assim que ela saiu da banheira quente, os alemães levaram ela de maca.
Esse experimento durou um dia inteiro, e a cada 15 minutos nós trocávamos de banheira.

Ele ficou com relógio na mão, olhando hora. Luva preta ele estava, olha lembro como agora. Chapéu... Manfred, aquele chapéu.
Quando escureceu, cheguei ao barracão e não conseguia mais andar, porque estava queimada. Gritei: “meninas, meninas! Socorro, me ajuda!”.

Eram 5 horas e elas estavam livres. Eu contei o que o Mengele tinha feito e então elas arrancaram duas tábuas e me colocaram na cama de cima do beliche.

Eu estava inchada, colocava a mão na minha perna e sentia um buraco. Por dois dias eu fiquei sem me mexer.

Aí as meninas disseram: “Vamos descer, senão Mengele vem te procurar e você vai morrer”. Eu perguntei: “como que eu posso descer?”
Então elas colocaram um lenço na minha cabeça para ele não me reconhecer e me carregaram até a porta do barracão, onde ia acontecer a contagem de prisioneiros.

Ele não me reconheceu, pois estavam todas juntas, embananadas.

Uma tática que a gente utilizava era passar beterraba no rosto, para parecer que estávamos coradas, saudáveis.
Segundo registros do acervo de ex-prisioneiros de Auschwitz, Cecília foi transferida de Auschwitz em 3 de novembro de 1944 para Ravensbruck, onde foi registrada como prisioneira política judia polonesa número 82133 (conforme o documento abaixo, Cecília está registrada na linha número 934).
Veja outras experiências e histórias terríveis do Mengele no depoimento da Cecília.

Birkenau, Ravensbruck e Bunawerk

Depois de Auschwitz eu fui pra Birkenau. Lá nós fomos levar roupa suja pra lavar. Nós saímos de lá para trabalhar.

E me mandaram pra Ravensbruck, Birkenau, Bunawerk, carregando carrinho de pedras, eu empurrava nas linhas, no trenzinho.

Eu falei: “eu não vou aguentar isso aqui”, falei pras meninas. “Fica firme”, elas falaram.
Mulheres empurrando carrinho no campo de concentração de Ravensbruck

Mulheres empurrando carrinho no campo de Ravensbruck, na Alemanha.
Fonte: Yad Vashem The Holocaust Martyr’s and Heroe’s Remembrance Authority.

Em Birkenau eu trabalhava com todas essas coisas. Pedras, empurrar carrinho...Nos outros [campos] também.

Botavam pedras. Lá já era no carrinho de pedras, e empurrava carrinho.
Um carrinho... empurrava naqueles trenzinhos. E à noite, precisava tirar onde eles íam construir, lá os alemães.

Dia seguinte voltou isso aqui pra cá. Só pra gente cansar.

Malchow

Disposição do campo de concentração de Malchow.
Fonte: alvin-portal.org.

Já no fim da guerra, eu estava em Malchow, pois quando começaram a bombardear a Alemanha, os alemães nos levaram para o “fundo” da Alemanha, para não nos encontrarem e eles ficaram lá também.
Lá a gente fazia pó, pózinhos para arma, pólvora. E a gente empacotava isso, era no teto.

Nós íamos no muro, pra cima, era uma neve, frio, à noite, sem comer, não deram nada... nada.
Aí na volta, olha na volta, fomos à pé pra barracão, pra dormir já, era 5:30.

A gente ía de colher na mão porque colher era pra se tem comida, deram com colher.

Aí caiu um caminhão com repolho. Todo mundo correu e roubou o repolho. Um pôs aqui, outro pôs aqui, outro pôs aqui...quando chegamos na portaria, ele disse: “abre pernas e abre mãos”.

Todo repolho caiu. Não tinha mais repolho, comida. Todo mundo estava contente que vamos comer repolho.

Você vê que vida?
Bom, eu tava no Malchow, aí chegou, no fim já. Era 1945, abril, 24 de abril, em 45.

Chegou 5 ônibus de Cruz Vermelha, mandaram por lenço branco, entrou 40 pessoas em um ônibus branco com cruz vermelha.

“Nós vamos fugir”. Escondidos nós fomos. Era Cruz Vermelha da Suécia, sueco. Era Folke Bernadotte, chamava-se [o comandante].

A gente não entendia nada, mas ele mandou entrar no ônibus. Quinto ônibus foi bombardeado pelos alemães, 40 meninas morreram*. E eu tava no quarto ônibus. Nós vimos.
Esse ônibus levou Cecília para a Suécia.

*O quinto ônibus foi bombardeado pela força aérea inglesa que confundiu o comboio dos sobreviventes com um comboio de tropas nazistas.

Milagrosamente algumas mulheres sobreviveram ao ataque, segundo relatos de familiares de uma sobrevivente que estava nesse ônibus.

Depoimento da sobrevivente do holocausto cecília gewertz
parte 2 – recomeço e casamento

A vida na Suécia

Assim que chegamos na fronteira com a Suécia, todo mundo atacou uma mesa com sanduíches.

Os médicos gritaram: “Não pode comer! Vocês estão com os intestinos presos! Vocês estão magras! Não pode!”.

Eles disseram que ficaríamos em regime, em quarentena.

Então as meninas colocaram os sanduíches em sacolas, pois tinham o hábito de guardar a comida, porque não sabiam quando comeriam de novo.

Porém, os médicos jogaram tudo no mar. Eu era tímida, tinha vergonha de comer, sempre ficava afastada, triste.

Logo, começaram a anunciar que os parentes procuravam pelos sobreviventes. Vários encontraram irmãos, primos, filhos. Ninguém me chamou.

Eu estava em um cantinho, chorando. Eu estava sozinha no mundo, de novo.

Comecei a pensar que meu irmão Chaim havia morrido. Pensei que minha vida estava acabada.

Cecília na Suécia - Depoimento da sobrevivente do holocausto Cecília Gewertz

Retrato da Cecília na Suécia.

Um professor, chamado Hugo Valentin, encontrou-me e me chamou para ir a sua casa.

Várias pessoas nos trouxeram roupas. Eu coloquei um vestido bege e fui para casa dele.

Eu disse a ele: ‘’não sei levar louça, não sei limpar a casa, não sei cozinhar, eu nunca fiz nada’’.

Mas ele disse: “Não tem problema, você vai ficar com a gente’’.

Enquanto ele brincava com as filhas, eu ficava na cozinha.

Certo dia, esse professor perguntou quem era um tal de Chaim Rybitwer. Eu disse: ‘’é meu irmão, por quê?’’.

“Porque ele está em Bytom (Polônia), vivo, procurando você”. Eu não vi ele, mas ele me ligou, no hospital – onde Cyrla trabalhava -, e disse que estava em Frankfurt, na Alemanha, que tinha encontrado um retrato meu na rua (os poloneses tinham jogado várias fotos nas ruas) e falou para eu ir encontrar ele.

Ele já estava casado com outra mulher e tinha uma filha. Isso foi em 1945.

Apesar do pedido do meu irmão, eu não fui”.

Assinatura no livro que todos os visitantes assinavam na 1ª vez que iam à casa do professor Hugo Valentin (24/08/1945)
– 4ª assinatura de cima para baixo: Rybitwer Cesia

Recorte de jornal no qual Chaim Rybitwer, irmão de Cyrla a procurava (4ª linha da coluna da esquerda, de baixo para cima).
Retirado de um jornal da Suécia. 

Um dia, eu disse a ele [professor Hugo] que queria estudar e pedi que me arrumasse alguma coisa, pois eu não ficaria lá.

Ele pediu ajuda para uma assistente social e ela me colocou em uma escola de enfermagem.

Assim, eu fui para outra cidade para estudar e fiquei lá por 2 anos.

Depois, eu trabalhei em um hospital na Suécia.

Continuei na Suécia, agora morando com uma menina, uma amiga. Lá eu comecei a estudar inglês.

Algum tempo depois encontrei Simon (meu futuro marido) e não o larguei mais.

Durante 5 anos não quis casar com ele, pois nós dois éramos pobres.

Fotos do casamento da Cyrla e Simon, na Suécia, em 1949.

Foto do Professor Hugo Valentin (embaixo à esquerda) no casamento de Cyrla e Simon.

Continuei na Suécia por 7 anos e depois viemos para o Brasil porque o Simon tinha família e ele queria ver a família.

Eu falei deixa, estou trabalhando, estava na IBM, ganhando bem, já tinha meu apartamento.

Se você não vai, eu não vou (disse Simon).

Eu trabalhava como secretária na IBM. O Simon ganhava bem, compramos um apartamento pequeno, um quarto e sala, só.

Ele trabalhava numa fábrica de munição, mas até agora não sei o que ele fazia.

Ele me obrigou (a ir para o Brasil), falou você está sozinha aqui, não tem ninguém, seu irmão está nos EUA.

Então, em 1952, Cecília e Simon embarcaram de navio para o Brasil.

Depoimento da sobrevivente do holocausto cecília gewertz
parte 3 – mais um recomeço, filhos e netos

A vida no Brasil

Cheguei no Brasil, em São Paulo, aí os parentes falaram: você trouxe dinheiro? Falei "estou com US$59, isso tudo!"
Eu fui no Bom Retiro morar num quartinho com o Simon e eu trabalhava com vendas, mas primeiro trabalhei no hospital.

Eu queria ter um filho. Cheguei aqui, não conhecia ninguém, não sabia falar.

"Por que você me trouxe aqui?", comecei a brigar com Simon.
Cecília Gewertz - Depoimento Sobrevivente do Holocausto - Brasil - década de 20000

Cecília no Brasil, 2003.

No começo, eu trabalhava de enfermeira no hospital alemão, perto do largo do Arouche.

Depois trabalhei vendendo joias. E o Simon tinha representação de vinho, sardinha... coisas estrangeiras.

Não dava pra ficar rico, mas dava pra viver.

Eu queria comprar mais um apartamento, mas ele não deixava, brigava comigo, falava que não tinha dinheiro.

Mas eu sempre tive dinheiro, não posso ficar sem dinheiro. Eu lutei com os alemães, brigava para ter indenização. E isso me ajuda um pouco.

Mengele no Brasil

Aqui, no Brasil, um episódio absurdamente improvável viria a evocar todas as terríveis lembranças da guerra em Cyrla novamente.

Ao visitar o sítio de uma amiga em Serra Negra, pequena cidade no interior de São Paulo, ela ficou sabendo que o homem que a oprimira fria e cruelmente em Auschwitz estava lá também.

Mengele estava na mesma cidade que ela, mais de 30 anos depois e milhares de quilômetros de distância do local onde eles se “encontraram” pela última vez.

Se ele a visse, provavelmente não se lembraria dela, afinal ela estava bem diferente, agora tinha cabelos e estava muito mais saudável, mas, mesmo assim, ela ficou aterrorizada e quis ir embora de lá imediatamente.
Mengele estava lá, procurando fazer experiências. Trabalhava como médico em Serra Negra. Aí ele morava em Serra Negra.

E eu contava pra Anésia histórias da minha vida. Ela não imaginava isso aqui.

E vem todo dia um menino loirinho com uma bicicleta diferente. Aí a Anésia perguntou “da onde você tem essa bicicleta tão bonita?”.

Ele nunca mais apareceu. Ele estava na fronteira, fora e eu tava dentro, mas eu não vi ele.
A gente ía todo dia na piscina, que aconteceu que os homens falaram que ele era Mengele.

“Mengele”, falaram. “Sabe que homem é esse aí? É Mengele”.

Falei: “quem é Mengele?” Aí comecei a ter medo. Nunca mais... parei de ir pro sítio.

Cyrla, Simon e José (filho deles) no sítio de sua amiga em Serra Negra (década de 1960/70).

Aqui não vi ele. Eu conheço ele de lá. Depois que eu soube. Aí eu já não fui mais pra Serra Negra.

Ele tava escondido. Se ele me vê? Acho que não me reconhece. Eu estava magra, abandonada, feia, sem cabelo.

Não sei, mas se ele soubesse que eu sou judia, ele ia me matar.

Soube que ele está lá, eu já não fui mais lá. Eu falei Anésia, não vou mais lá.

E ela contou pra todo mundo que eu sou judia e que eu conheço o Mengele de lá.

Então, os colonos lá, você sabe, começam a falar e começam perguntar, falei sabe de uma coisa, até falei pro Zé, não vou mais pro sítio, não vou mais.
Eu tenho medo, você sabe eu tenho que me cuidar. Eu vou na rua, todo mundo pergunta: “Alemão? A senhora é alemã? Tem muito dinheiro?”.
Outra curiosidade da Cecília com o Mengele é em relação à gêmeos.

Sabe-se que Mengele tinha um interesse especial por gêmeos, o que o levou a fazer vários experimentos com essas pessoas.

Coincidência ou não, os primeiros netos da Cecília foram trigêmeos.

Família

No Brasil, Cecília teve 1 filho, José, em 1957. Juntamente com Simon, nunca deixaram que lhe faltasse nada.

Proporcionaram que ele fosse à escola e cursasse uma faculdade.
Em 1992, Simon faleceu devido a um infarto fulminante.

Nesse mesmo ano, José se casou com Sandra. Eles tiveram 4 filhos: Leonardo, Rodrigo e Marcelo (trigêmeos), em 1995, e Eduardo, oito anos depois, em 2003.

Cecília com os seus netos trigêmeos.

Foto dos seus descendentes diretos no Bar-Mitzvá do seu neto mais novo Eduardo, em 2016.

Foto da família quase completa (incluindo a parte da sua nora) no Bar-Mitzvá do seu neto mais novo Eduardo, em 2016.

Falecimento

Aos 96 anos, no dia 27/06/2018, Cecília faleceu de falência múltipla de órgãos em um hospital em São Paulo.

Ela deixou 1 filho, 1 nora, 4 netos e um exemplo que nunca será esquecido.
Escute essa história contada pela própria Cecília, com ainda mais detalhes e alguns acontecimentos não relatados acima.

Seu depoimento é emocionante e uma oportunidade única de ouvir da boca de quem esteve nos campos de concentração e guetos o que de fato ocorreu lá.

Afinal, não é sempre que se pode ouvir o depoimento de um sobrevivente do Holocausto e sua história contada por ele mesmo.

Fotos

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Legado

circulo amarelo

Além do filho, da nora, dos netos, e dos amigos, Cecília deixou um exemplo e ensinamentos que viverão para sempre.

Infelizmente ela não pode mais contar sua história.

Cabe a nós agora contar o que ela e milhões de judeus passaram, simplesmente pelo fato de serem judeus, para honrar suas memórias e garantir que essas histórias não serão esquecidas.

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